quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Ima, Soko ni Iru Boku



Porquê dez milhões de anos é um tempo tão frágil, tão efêmero...Isso incita tamanha amargura, um afeto quase doloroso.” 

É com a citação acima que começam todos os episódios da série em anime de 1999 dirigida por Akitaro Daichi (Fruits Basket, Bokura ga Ita) nomeada Ima soku ni iru Boku ou Now and Then, Here and There, cuja qual conta a história de Matsutani Shuzou(Shu) e suas aventuras após ser levado para outro mundo quando tentava salvar uma garota(Lala Ru) perseguida por soldados montados em máquinas de guerra.

É uma sinopse bem comum, ainda mais sendo lida em uma época como a atual onde existe todo um gênero de histórias no mundo da animação japonesa que corresponde justamente a um padrão de roteiro criado para saciar as fantasias de um público ávido dos video games de fantasia mágica, que anseiam por uma uma chance de se enquadrar em uma vida dentro desses mundos alternativos. Dai surge toda a repetitividade de histórias com temas semelhantes, onde um protagonista japonês padrão é levado misteriosamente a outra realidade onde tem que conviver com a fantasia medieval e na maioria das vezes, com o harém.

Shu e Lala Ru

Ao ler a sinopse acima e até mesmo assistindo o primeiro episódio do anime em questão pode-se imaginar que ele se trata de uma história de temática semelhante, divergindo talvez no que tange a ambientação, se tratando de algo mais steampunk e menos fantástico. Mas as diferenças não param por aí.

Shu é um garoto hiperativo, cabeça quente e otimista que acha que tudo pode ser resolvido seguindo sempre em frente, o típico protagonista que seria exaltado em um shonen noventista, mas já no primeiro episódio podemos ver que nosso protagonista não está lá para ser exaltado, para ser feliz e resolver todos os seus problemas com esforço e ter um final feliz. Não, ele está lá para ser contestado, para ter seu jeitão impensado de viver jogado por terra. É um simbolismo simples, um típico protagonista shonen, idealista e com uma visão estreita de mundo e valores(estes passados ao seu público em sua demografia) tendo tudo isso posto a prova diante a dura realidade que seus sonhos infantis de heroísmo e masculinidade jamais permitiriam conceber, a fria realidade da guerra.

Nabuca

Não se deixe enganar pelo character design, este que pode ser assemelhado a uma fantasia Ghibli, mas que foge totalmente as mensagens otimistas que os filmes desse estúdio tendem a passar mesmo em meio a crítica de temas sérios. Diferentemente dos trabalhos desse estúdio, as críticas em Ima Soko ni Iru  Boku são passadas de maneira crua, estão presentes de forma a retratar com os mínimos eufemismos possíveis a crueldade de um cenário de guerra. Fome, violência, trabalho infantil e estupro, são apenas alguns exemplos do que é representado nesta realidade, e claro, se tornam muito mais chocantes ao vermos aqueles a quem sempre atingem, os inocentes.

É quase irônico que o cenário onde se passa a história do anime seja desértico, mas com certeza é muito acertado. A realidade pintada nesse universo não tão distante de outras realidades não inventadas pode soar pitoresca a primeira  vista, mas não é necessária muito reflexão para se perceber características que de certo não fogem a um certo senso comum quando se fala do tema retratado.



Não é de se estranhar o quão desconhecido seja essa animação, que pode ser explicado pelo simples motivo da proposta da própria, que ao invés de tentar proporcionar o prazer ao expectador, vai pelo caminho oposto, buscando o desconforto, a inquietação, tentando faze-lo refletir os temas propostos. Você não encontrará recompensa em sua experiência de expectador dessa obra, no máximo a aversão, o próprio ritmo seguido pelo roteiro é lento, arrastado, feito para que você tenha tempo para parar e pensar no que está acontecendo, não há desculpas para não receber a mensagem passada.

Vale comentar que o cenário da história, o mundo alternativo(ou futuro distópico, dependendo de como você resolve interpretar) desértico assolado pela guerra, mais especificamente, a fortaleza máquina de guerra Hellywood, centro de toda a trama, comandada pelo lunático Hamdo, que transformou a mesma em uma máquina de guerra em todos os sentidos, sob um sistema que atacava vilas para sequestrar crianças que eram treinadas para se tornarem seus soldados, tática comum em meio a zonas de conflito.

Hellywood

Ao comentar um pouco sobre os personagens desta obra vale ressaltar que eles são concebidos de maneira magistral, desde o anteriormente citado Shu, que por mais irritante e inconveniente seja, não deixa de cumprir como dito seu papel chave na mensagem da obra, e o mesmo pode ser dito em todos os demais. O cuidado em representar a maior parte de pontos de vista possíveis daquele mundo e toda sua situação é admirável, e isso sem que ninguém seja exaltado ou condenado, ao final todos sofrem as consequências de sua realidade não importando como eles a encaram.

Estes personagens como dito, estão lá para serem testados, contestados, levados ao extremo de seus ideais e crenças, é literalmente pegar crianças do primeiro mundo e jogá-las em meio ao oriente médio, uma proposta forte, um jogo surreal dos realizadores que brincam com o choque de realidade, com as disparidades do mundo como o conhecemos, uma brincadeira reflexiva.

Hamdo e Abélia

Por exemplo, acompanhar a trajetória do sofrimento, superação e suas consequências de Sara é uma experiencia ímpar, seja para o mal, seja para o bem, não há como não admirar a equipe pela coragem de expor os temas retratados pelas experiencias da personagem. O mesmo pode ser dito de Nabuca, em sua negação de aceitar a realidade disfarçada de otimismo frente a sua situação e de seus companheiros, ou até mesmo Abélia, com sua devoção sentimental frente a Hamdo, não há personagem neste anime que não se mostre interessante ou que não faça minimamente sentido dentro do roteiro, até mesmo a apática Lala Ru, sempre com sua expressão sofrida no rosto, basta ouvir seu primeiro diálogo que se preze no anime para descobrir que a personagem é muito mais do que a primeira vista aparenta.

Sara

Por fim, não resta dúvidas de que Ima, Soko ni Iru Boku é uma experiencia que se pode levar para a vida, o tipo de pérola que se encontra em meio ao palheiro de que se faz a industria da animação japonesa, fica aqui minha recomendação, apreciem esta obra e se deixem levar pela amargura que não deixará de ser sentida, mas não se enganem, não é uma obra feita para se retrair em depressão e sim algo a ser levado em conta quando emergir como alguém melhor.



0 comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...